terça-feira, 30 de outubro de 2012

Sol de inverno

Manuela andava pelas ruas mais ou menos vazias da cidade num sábado à tarde. Um sábado de primavera que guardava um restinho de frio do outono e que adiantava um pouquinho do sol de verão. A combinação perfeita. Existe coisa mais gostosa que se esquentar no sol quando os termômetros estão baixinhos? 
Manuela ia pra pracinha que não era muito longe de sua casa, mas que por algum motivo ela não costumava frequentar. Talvez fosse um programa tão singelo que fugia da percepção de Manu quando ela se deixava consumir pela rotina. Mas agora ela ia pra pracinha por que queria algo diferente. Nada radical, mas que de tão simples, chegava a ser ousado. Pessoas diferentes, crianças brincando, uma grama para deitar e ler um livro... uma pracinha que pra ela, acabou sendo um oásis em meio ao caos e a agitação da cidade e, dela mesma. Manuela resolveu ir pra pracinha e acabou achando o seu próprio sol de inverno, algo que aquecia a sua alma em meio à rotina fria e insensível.

Muito amor!

Que coisa boa é o amor! Amor de família, de amigos, de namorados. Amor por um gesto, por um sorriso, ou por alguém inteiro. Amor pela paquera, ou pelo sonho.
Esse clima de amor que tá no ar! A menina fria que nunca soube amar revelando sorrisos confirmando a amiga que a diz que ela está apaixonada. A outra, que já sofreu distribuindo seu amor para corações frios e agora resolveu distribuir seu amor para a vida e a vida acabou trazendo-lhe amor por ela mesma e um outro com "gosto de fruta mordida" de brinde. 
O casal que há muito tempo se gostava, mas ainda se dividiam entre outras paixões, e agora entenderam que se bastam um ao outro e resolveram assumir o alto -e delicioso!- risco do amor. A menina que acabou de forma desastrosa um amor infeliz e andava se ocupando com pequenos amores que ocupassem o seu coração, e que até a conclusão desse texto acabou ficando com um outro amor que na verdade, ela sempre admirou.
E eu, que outro dia aprendi com a minha avó os três tipos de amor na filosofia (Ágape, Filos, Eros), vi mesmo é que pra se ter amor, basta amar.

Essa noite...

Essa noite eu encontrei Mário Quintana...
Eu estava meio sonolenta, não conseguia me expressar direito, perdia meu raciocínio... mas de alguma forma ele se interessava em nossa conversa. Mesmo que eu não falasse muito, ter alguém para ouvir suas singelas genialidades parecia lhe agradar. Eu sabia que ele era meio solitário...
Nos encontramos em um lugar como a Savassi, e de repente estávamos na casa dele, em meio a pilhas de livros empoeirados e papéis soltos. Bem, apesar de ele morar em um hotel, aquilo me parecia um escritório.
Eu não me sentia muito confortável sozinha na casa de um senhor "estranho", mas ele dizia coisas tão interessantes e de uma ternura que eu ignorava o estranhamento e simplesmente não podia ir embora.
Eu conheci Mário Quintana...

"Sonhar é acordar-se pra dentro" Mário Quintana

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Somos todos Cegos, Surdos, Mudos

E se, por um dia, eu fizesse greve de silêncio, ofenderia os mudos?
E se por um momento eu tampasse meus ouvidos e fechasse meus olhos, os surdos e cegos me levariam a mal?
Mas sei que se o mudo, por um dia tivesse a chance de falar, emitiria mensagens de amor. O aleijado, podendo ter suas mãos, só as estenderiam para o bem. Os surdos, podendo ter seus sentidos de volta, realmente escutariam o que as pessoas têm a dizer, e os cegos, enxergariam as pessoas como são. 

Assistir a, Assistir à

E eu ficava parada lá, observando aquele lugar, aquelas pessoas, como se eu fosse uma mera espectadora do mundo.
Como um visitante de museu que fica parado em frente à uma obra tentando entendê-la, sem poder interagir. Não poderia nem mesmo tocá-la, pois minha mera posição de observador não permitiria tal ousadia. Entendê-la seria mesmo, o ápice da interação.

Talvez fazer papel de espectador seja a melhor forma de nos protegermos do mundo, de nós mesmos. Quando a barra pesa, a gente finge que não é com a gente, sai do museu, e volta pra as ruas para se misturar a multidão.

Joana perceb... Eu

Joana conhecia muita gente chata, e se recusava a ser igual à eles.
De vez em quando, encontrava também muita gente legal e interessante, que às vezes ficava até confusa. Cada um tinha um jeito, uma personalidade, um estilo de vida diferentes, e Joana foi questionando seus padrões. 
Ela percebeu que não poderia avaliar ninguém pela beleza: existem muitas pessoas bonitas por aí, mas o que as fariam especiais? Ainda mais que hoje em dia qualquer um pode ficar bonitinho com maquiagem e esses tratamentos loucos. A beleza é o mais relativo e instável de todos os valores. Quem é bonito para mim, não é para você, e quem é lindo hoje, pode não ser tão atraente amanhã. 
Joana também não poderia julgar pelo estilo. Mesmo que muitas vezes este se refira à personalidade, qualquer conjuntinho pode ser copiado de uma revista de moda ou comprado em uma loja de shopping. Passou a desconfiar, até mesmo, dos que tinham bom gosto. Por mais que boa música e faro para as artes rendam alguns "pontinhos", também existe muito babaca curtindo Led Zeppelin por aí.
Joana percebeu que pessoas legais podem ser somente identificadas pelo brilho nos olhos e alguma coisa a mais que somente quem também é especial pode sentir, algo que não tem rótulo e muito menos fórmula.

sábado, 20 de outubro de 2012

Luto

Hoje, no dia do seu aniversário, eu entendi a morte.
Como um flash, passou pela minha cabeça o por que de ela causar sentimentos tão singulares na gente, não importa de que forma ela venha.
A morte é a ausência da esperança. É o desespero mais sutil, que vem da certeza de que não haverá volta. Certeza mais certa e que mesmo assim negamos, pois não há explicação ou consolo. Todo o resto é uma mera tentativa para sempre fracassada e humanamente fraca, de fazer sentir melhor. A morte é, para os que ficam, a tortura não só de sentir saudades, mas de imaginar como poderia ser e de repente perceber que agora, simplesmente, não pode ser.

domingo, 14 de outubro de 2012

Espelho, espelho meu

Ela arrancava do espelho todas aquelas fotos dele, e dos dois juntos. Aquelas fotos que ela foi colando durante os meses e que aos poucos foram tomando espaço, impedindo-a de ver o seu reflexo.
Ela foi arrancando pouco a pouco aquelas fotos como se arrancasse um pedaço do seu coração, e as jogava no lixo, com a dor de quem joga fora as lembranças boas, mas sabendo, bem no fundo, de que jogava fora também o sofrimento e a decepção escondidos por trás daqueles sorrisos forçados para as fotografias.
E quando terminou, ela pôde se ver novamente no espelho e naquele reflexo via uma nova de si.

La fin

Deixo para você como herança a minha amargura, o meu mau humor.
Deixo a você a minha rebeldia sem causa, a minha dor. Porque a causa dos meus irmãos eu pego como minha, como quem procura um motivo para sofrer. Mas se a causa é dos meus irmãos, é minha também.
Deixo então, como lembrança, a minha rebeldia com e sem causa, a minha saudade, a minha culpa.
A culpa de saber que a culpa disso tudo não é de ninguém além de minha. Eu escolhi sofrer, pois apesar de tantos motivos para nos deixar infelizes durante essa vida, é a gente mesmo que escolhe se deixar convencer por eles e ceder à tristeza.
Deixo para você, como herança, meus pêsames, não de quem morre, mas de quem nunca viveu. 
Deixo isso para você como herança, e recomeço a minha vida.

domingo, 7 de outubro de 2012

Eu, Tu, Ela

Ela andava pelas ruas com balançado leve enquanto ouvia blues pelos seus fones de ouvido, mexendo os dedos suavemente como se pudesse tocar algum instrumento e no fundo de sua alma desejando que o resto do mundo pudesse curtir aquele som junto com ela, como se todos que passassem ao seu lado pudessem sentir a vibe de sua melodia. Ela andava pelas ruas olhando para os lados como quem procura um olhar de admiração e procurando também alguém para distribuir o seu mais singelo flerte. Ela arrancava alguns olhares, e quando isso acontecia abaixava timidamente a sua cabeça olhando para os seus pés que andavam quase flutuando naquele caminho rotineiro.

Gabriela

Gabriela tinha um grande amor. Daqueles com endereço, CPF, e telefone fora de área às sextas à noite. Um amor que sabia encantá-la com seus beijos e sorrisos, mas que também a machucava com sua indiferença e insensibilidade. Logo ela, tão artista, tão sensível, apaixonada pela vida e cheia de amor pra dar. Gabriela tinha um amor sofrido, e com data marcada para ir para o estrangeiro e só voltar dali a um ano. 
Um ano? Se com ele aqui ela já sofria a sua ausência, ela ia sofrer ainda mais de longe. O que pode acontecer em um ano?
Gabriela sofreu muito a sua falta. Sentiu falta de sair de casa imaginando esbarrar com ele na rua, mesmo morando em uma cidade com mais de três milhões de habitantes. E sentiu falta das conversas de Domingo à noite ao telefone, quando o número dele funcionava para ela. Sentiu falta de, simplesmente, saber que ele estava por perto, mesmo estando tão distante dela em questão de sentimentos.
Numa manhã de segunda-feira, depois de passar a noite de Domingo chorando e o final de semana inteiro se sentindo sozinha, Gabriela acordou diferente. Com os olhinhos ainda inchados, ela percebeu que sempre esteve sozinha, mesmo com tantas pessoas o tempo inteiro ao seu redor. Mas ao invés de ficar com raiva do mundo e mau dizer os seus sentimentos, Gabriela resolveu pegar todo aquele amor, toda aquela paixão, toda aquela vontade frustrada de ser feliz e distribuir para a vida, para o mundo. Gabriela passou a reparar nas flores que brotavam com a primavera, e decidiu experimentar de novo mel, que sempre fez a sua garganta coçar. Gabriela passou a amar o cheiro de desinfetante de quando o banheiro da faculdade acabava de ser limpo, e sentia prazer em escolher um novo shampoo a cada ida mensal ao supermercado. Passou a apreciar ainda mais o pão de queijo quentinho que saía todas as tardes na lanchonete, e até ganhou um quilo e poucos (vai ver ficou inchada era de tanto amor). Passou a amar a todos, até "a poeira que entra no nariz por causa do clima seco". E quando Gabriela passou a amar a tudo, e a todos, ela passou também a amar a ela mesma. Mesmo assim, Gabriela não era hipócrita e sabia que mesmo se amando muito, ela ainda precisaria de alguém pra dedicar todo aquele amor em especial. Alguém que desse sentido. E ela sabia que aquele amor que foi para o exterior, não poderia ser. Mas ela tinha certeza que ela ia achar um amor. Um amor com endereço, CPF, e telefone sempre disponível pra ela. Um amor que tocasse violão, e que entendesse a sua sensibilidade, e que de preferência gostasse de Pink Floyd e tivesse barba.
Um ano passou, o ex amor voltou, e a achou linda, e a distribuia mil sorrisos. E que sorrisos! Mas ela só admirava, e guardava no coração somente os sorrisos, não aquele amor. 
O tempo ia passando e Gabriela conhecia vários caras que tocavam violão, outros que tinham barba e outros que curtiam Pink Floyd. Todos trouxeram encanto, mas nenhum trouxe amor. Tudo bem. Gabriela sabia que todo o seu amor distribuido voltaria um dia para ela, talvez sem violão ou barba, mas de preferência acompanhado de taças de vinho e beijos na testa. 

Julia


Julia não sabia amar. Sabia ser gentil, sabia ser meiga, sabia paquerar. Julia sabia ser charmosa, silenciosa, às vezes arrogante. Sabia não se importar, sabia não demonstrar. E não demonstrava. Vai ver era essa indiferença que os faziam querê-la. Aqueles olhos de um castanho curioso, um olhar autoexplicativo e que mesmo assim faziam qualquer um imaginar o que se passa por trás deles. Olhos que ela puxou do pai, com quem vivia em conflito, por que os seus olhos não a deixavam fugir dele. Os olhos do "velho" que supervisionavam a sua menina tinham a mesma malícia que viam os olhos da filha, que há muito tempo deixou de ser menina.
Julia nunca sofreu. Quando chorava, era só de raiva. Raiva desse mundo hipócrita que não a entendia e que censurava a sua rebeldia. Eu bem que gostaria de te dizer que Julia tinha um motivo para ser assim. Algo, mesmo que ruim, mas que pelo menos justificasse a sua raiva do mundo. Mas não. Julia não tinha motivo. Ela detestava o mundo simplesmente por ele existir, por ele ser como ele é.
Julia fazia sofrer. Às vezes bem que ela gostaria de ter algum sentimento. Mas o desejo era um de seus únicos sentimentos. Desejo de liberdade, de fogo, de rebelião.
De saia curta, salto alto, longos cabelos negros que contrastavam sua pele clara e unhas vermelhas, ela sabia satisfazer os seus desejos e dispensar o amor, como se este fosse um veneno repugnante.
Ela acreditava que amor não era nada além de um fenômeno psicoquímico, como uma droga produzida pelo corpo humano, e que o dela, por alguma deficiência, era incapaz de produzir.
Aqueles olhos castanhos que se destacavam em meio à maquiagem escura, eram uma arma sensual daquela garota que gostava da noite e não tinha medo do escuro. Era do escuro que ela gostava. Do misterioso, do curioso, do bizarro. Do desconhecido, do incorreto, do Rock. Da fumaça, do fogo, do álcool, do louco, do ilegal.
Julia sabia se calar e com o seu silêncio fazia enlouquecer e convencer qualquer um de suas falsas verdades.
E quando abria a boca expressava um espírito questionador e personalidade forte. E ela abria a boca para fumar o seu cigarro como se daquela tragada obtesse todo o seu fogo, e, naquela fumaça libertasse toda a sua angústia. Fumaça densa como a sua alma.
Julia não sabia amar.