Gabriela tinha um grande amor. Daqueles com endereço, CPF, e telefone fora de área às sextas à noite. Um amor que sabia encantá-la com seus beijos e sorrisos, mas que também a machucava com sua indiferença e insensibilidade. Logo ela, tão artista, tão sensível, apaixonada pela vida e cheia de amor pra dar. Gabriela tinha um amor sofrido, e com data marcada para ir para o estrangeiro e só voltar dali a um ano.
Um ano? Se com ele aqui ela já sofria a sua ausência, ela ia sofrer ainda mais de longe. O que pode acontecer em um ano?
Gabriela sofreu muito a sua falta. Sentiu falta de sair de casa imaginando esbarrar com ele na rua, mesmo morando em uma cidade com mais de três milhões de habitantes. E sentiu falta das conversas de Domingo à noite ao telefone, quando o número dele funcionava para ela. Sentiu falta de, simplesmente, saber que ele estava por perto, mesmo estando tão distante dela em questão de sentimentos.
Numa manhã de segunda-feira, depois de passar a noite de Domingo chorando e o final de semana inteiro se sentindo sozinha, Gabriela acordou diferente. Com os olhinhos ainda inchados, ela percebeu que sempre esteve sozinha, mesmo com tantas pessoas o tempo inteiro ao seu redor. Mas ao invés de ficar com raiva do mundo e mau dizer os seus sentimentos, Gabriela resolveu pegar todo aquele amor, toda aquela paixão, toda aquela vontade frustrada de ser feliz e distribuir para a vida, para o mundo. Gabriela passou a reparar nas flores que brotavam com a primavera, e decidiu experimentar de novo mel, que sempre fez a sua garganta coçar. Gabriela passou a amar o cheiro de desinfetante de quando o banheiro da faculdade acabava de ser limpo, e sentia prazer em escolher um novo shampoo a cada ida mensal ao supermercado. Passou a apreciar ainda mais o pão de queijo quentinho que saía todas as tardes na lanchonete, e até ganhou um quilo e poucos (vai ver ficou inchada era de tanto amor). Passou a amar a todos, até "a poeira que entra no nariz por causa do clima seco". E quando Gabriela passou a amar a tudo, e a todos, ela passou também a amar a ela mesma. Mesmo assim, Gabriela não era hipócrita e sabia que mesmo se amando muito, ela ainda precisaria de alguém pra dedicar todo aquele amor em especial. Alguém que desse sentido. E ela sabia que aquele amor que foi para o exterior, não poderia ser. Mas ela tinha certeza que ela ia achar um amor. Um amor com endereço, CPF, e telefone sempre disponível pra ela. Um amor que tocasse violão, e que entendesse a sua sensibilidade, e que de preferência gostasse de Pink Floyd e tivesse barba.
Um ano passou, o ex amor voltou, e a achou linda, e a distribuia mil sorrisos. E que sorrisos! Mas ela só admirava, e guardava no coração somente os sorrisos, não aquele amor.
O tempo ia passando e Gabriela conhecia vários caras que tocavam violão, outros que tinham barba e outros que curtiam Pink Floyd. Todos trouxeram encanto, mas nenhum trouxe amor. Tudo bem. Gabriela sabia que todo o seu amor distribuido voltaria um dia para ela, talvez sem violão ou barba, mas de preferência acompanhado de taças de vinho e beijos na testa.