sábado, 10 de março de 2012

Não foi engano


Era manhã de terça-feira, e os alunos do primeiro ano estavam tendo aula de Português. A professora chamava a atenção de alguns bagunceiros e de outros que se dispersavam. Ela acabara de recolher o celular de uma garota que enviava mensagens. Um outro aluno teve seu Ipod enviado à diretoria, e só o teria de volta com a comunicação dos pais. A regra da escola é clara: nada de aparelhos eletrônicos em horário de aula.
A professora dava um longo sermão na menina negligente, quando foi interrompida por um barulho bem familiar: "Triiiim, triiiiiiiiim", seguido de uma música infantil.
A professora, que já havia perdido a paciência, deu um berro:
- Que brincadeira é essa?! Acabo de falar sobre a falta de respeito que é o uso de aparelhos eletrônicos durante a aula e vocês fazem essa gracinha? O engraçadinho responsável por essa brincadeira de mal gosto irá direto para a diretoria!
Todos os alunos se entreolharam desconfiados. A professora se dirigiu a Joãozinho, o mais atentado da classe.
- Não fui eu não, "fessora"...
Virou-se então para Marcos, mas ele já havia tido o celular recolhido na aula de História. Mariazinha, meio desconcertada, então revela:
- Professora, o barulho vem da sua bolsa...
- Como é, Maria Luz? Como pode me acusar disso? Meu celular está desligado, e eu jamais colocaria uma música infantil como meu toque!
Todos fizeram silêncio e se viraram para a bolsa da professora, que estava em cima da mesa.
 "Triiiiiiiiiiiim! Triiiiiiiiiiiiiiiiim! Patati patatatá vaaamos brincaaar quá quá quá êêê"
O silêncio da turma, contrastado com aquele som, formavam uma sinfonia perturbadora para a professora, que começou a desconfiar, contrariada, de que Mariazinha estava certa.
Foi então, cautelosa em direção à bolsa e a abriu intrigada. Tirou lá de dentro o aparelho celular responsável por aquele escândalo.
- Mas este não é o meu celular! E-e-eu não sei de onde ele surgiu! - Desesperou-se a professora.
Os alunos mantiveram aquele silêncio constrangedor e agora se olhavam assustados, estranhando aquela situação com a professora, que sempre se mostrou tão séria.
Ela tomou coragem e atendeu o telefone.
- A-a-alô?
Do outro lado da linha, um homem, de voz bonita e máscula. Ele dizia ter perdido seu celular e estava ligando para ver se o encontrava.
- Você é do hospital?
- Não.
- Você esteve na festa junina do clube da cidade?
- Não. Eu não estive no hospital e não fui à festa junina nenhuma apesar de ter uma queda por médicos e adorar quadrilha. Eu sou uma simples professora confusa! - desabafou, já muito abalada com aquela desconfortável situação.
- Aaah! Você dá aula no colégio EscoLar, e almoça no restaurante Abobrinha, que fica perto de lá?
- Aham.
- Ah! Eu me lembro de você! Devemos ter trocado os aparelhos celulares no balcão. Eu estava tão distraído com os seus olhos...
Nesse momento o sinal já havia disparado e os alunos já haviam saído da sala, pé ante pé para não atrapalhar aquele momento mágico, e a professora, sem ver o tempo passar, continuou na linha com o homem, numa conversa que durou horas...
Eles falavam sobre arte, política, astronomia... Ela revelou que se não fosse professora gostaria de ser pediatra. Ele, médico do hospital e filho de poeta. “Que bela contradição”, ela pensava...
- Pena que não combinamos muito quando se trata de gosto musical, não? Você não acha que já está bem crescidinho para ouvir musicas infantis?
- Ah, que vergonha! Você se refere ao toque do meu celular? Minha sobrinha que colocou aquela música... crianças, sabe como é, né? Hoje em dia elas sabem mexer em tudo!
A professora calou-se... seu sonho era ter filhos!
Seu pensamento foi interrompido quando se lembrou:
- Ei! Você que me ligou, do meu telefone! Minha conta vai ser arrasadora!
- Então, posso te pagar um jantar para compensar pela conta? Assim poderemos destrocar os telefones...

2 comentários:

  1. O dia em que fui personagem... A ficçao é um espaço insando dentro da realidade...

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir