Papai reunia todas as noites mamãe, meu
irmão e eu na sala de jantar, em um ritual em que o alimento não era mais o
personagem principal.
Ele, que foi criado em torno da mesa,
fazia questão de tudo como antigamente: toalha posta, todos presentes no horário
exato, de mãos lavadas e banho tomado. Se possível, todos os deveres de casa e
atividades já deveriam estar concluídos. Esta era a cerimônia de encerramento
do dia.
Cada um se sentava em sua respectiva
cadeira, que, ao contrário de todo o ritual carinhosamente planejado por papai, foi demarcada
naturalmente ao decorrer dos anos em que este ato acontecia diariamente.
Quando chegava, papai abençoava nosso lar
com os dizeres: “Que a paz esteja nesta casa e em todos que nela habitam”.
Quando não vínhamos correndo abraçá-lo dizendo "Amém", provavelmente por que estávamos
entretidos demais com o computador ou televisão, anunciava: “Cristina! Gabriel!
Isabel! O jantar ‘tá’ na mesa!”
É claro que estava.
Nos dirigíamos à sala de jantar, e, já
postos à mesa, papai mais uma vez nos bendizia, com preces que variavam com a
ocasião. Às vezes, em sua oração, honrava a presença de algum convidado, ou
comemorava alguma conquista, mas sempre agradecia pelo alimento e pela união de
nossa família.
Eu postava minhas mãozinhas frente ao
peito em posição de prece, e rezava em voz alta: “Obrigada meu Deus, por esta
comidinha tão gostosa, Amém”. Meu irmão, sempre implicante, dizia: “Você não comeu ainda, como sabe que está gostosa?”, o que me obrigou a mudar
um pouco minha oração. “Obrigada meu Deus, por esta comidinha que parece estar
tão gostosa”.
Finalmente podíamos devorar aquele jantar
maravilhoso, e os assuntos, ao contrário de como nos velhos filmes do Poderoso
Chefão, não eram limitados. Podia-se falar de negócios, dinheiro, tudo. Foi,
inclusive, em uma dessas refeições que descobri que nasci de uma sementinha que
papai havia colocado no pão que mamãe comia no café da manhã...
Papai, que comia muito e devagar, fazia
questão que todos lhe fizessem companhia enquanto terminava sua refeição. E depois do jantar ainda havia um cafezinho e um pedaço de bolo como saideira. Não
entendemos até hoje como era possível comer tanto!
Tendo papai terminado, nos levantávamos
da mesa, escovávamos os dentes, nos despedíamos e íamos dormir.
Deitada, sempre com papai ao meu
lado, que fazia questão de me botar para dormir todos os dias, rezava o Pai Nosso, ensinada por ele, a oração do anjinho da guarda,
ensinada por mamãe, e o Ave Maria, ensinada por vovó. Estas eram as únicas
orações que eu sabia e já pareciam suficientes para me manter protegida. E, ao
fechar os olhinhos, mais uma vez agradecia, bem no fundo de mim: “Obrigada meu Deus, por esta
família tão especial...”
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