sábado, 10 de março de 2012

Comer, Rezar, Amar


Papai reunia todas as noites mamãe, meu irmão e eu na sala de jantar, em um ritual em que o alimento não era mais o personagem principal.
Ele, que foi criado em torno da mesa, fazia questão de tudo como antigamente: toalha posta, todos presentes no horário exato, de mãos lavadas e banho tomado. Se possível, todos os deveres de casa e atividades já deveriam estar concluídos. Esta era a cerimônia de encerramento do dia.
Cada um se sentava em sua respectiva cadeira, que, ao contrário de todo o ritual carinhosamente planejado por papai, foi demarcada naturalmente ao decorrer dos anos em que este ato acontecia diariamente.
Quando chegava, papai abençoava nosso lar com os dizeres: “Que a paz esteja nesta casa e em todos que nela habitam”. Quando não vínhamos correndo abraçá-lo dizendo "Amém", provavelmente por que estávamos entretidos demais com o computador ou televisão, anunciava: “Cristina! Gabriel! Isabel! O jantar ‘tá’ na mesa!”
É claro que estava.
Nos dirigíamos à sala de jantar, e, já postos à mesa, papai mais uma vez nos bendizia, com preces que variavam com a ocasião. Às vezes, em sua oração, honrava a presença de algum convidado, ou comemorava alguma conquista, mas sempre agradecia pelo alimento e pela união de nossa família.
Eu postava minhas mãozinhas frente ao peito em posição de prece, e rezava em voz alta: “Obrigada meu Deus, por esta comidinha tão gostosa, Amém”. Meu irmão, sempre implicante, dizia: “Você não comeu ainda, como sabe que está gostosa?”, o que me obrigou a mudar um pouco minha oração. “Obrigada meu Deus, por esta comidinha que parece estar tão gostosa”.
Finalmente podíamos devorar aquele jantar maravilhoso, e os assuntos, ao contrário de como nos velhos filmes do Poderoso Chefão, não eram limitados. Podia-se falar de negócios, dinheiro, tudo. Foi, inclusive, em uma dessas refeições que descobri que nasci de uma sementinha que papai havia colocado no pão que mamãe comia no café da manhã...
Papai, que comia muito e devagar, fazia questão que todos lhe fizessem companhia enquanto terminava sua refeição. E depois do jantar ainda havia um cafezinho e um pedaço de bolo como saideira. Não entendemos até hoje como era possível comer tanto!
Tendo papai terminado, nos levantávamos da mesa, escovávamos os dentes, nos despedíamos e íamos dormir.
Deitada, sempre com papai ao meu lado, que fazia questão de me botar para dormir todos os dias, rezava o Pai Nosso, ensinada por ele, a oração do anjinho da guarda, ensinada por mamãe, e o Ave Maria, ensinada por vovó. Estas eram as únicas orações que eu sabia e já pareciam suficientes para me manter protegida. E, ao fechar os olhinhos, mais uma vez agradecia, bem no fundo de mim: “Obrigada meu Deus, por esta família tão especial...”

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