Julia não sabia amar. Sabia ser gentil, sabia ser meiga, sabia paquerar. Julia sabia ser charmosa, silenciosa, às vezes arrogante. Sabia não se importar, sabia não demonstrar. E não demonstrava. Vai ver era essa indiferença que os faziam querê-la. Aqueles olhos de um castanho curioso, um olhar autoexplicativo e que mesmo assim faziam qualquer um imaginar o que se passa por trás deles. Olhos que ela puxou do pai, com quem vivia em conflito, por que os seus olhos não a deixavam fugir dele. Os olhos do "velho" que supervisionavam a sua menina tinham a mesma malícia que viam os olhos da filha, que há muito tempo deixou de ser menina.
Julia nunca sofreu. Quando chorava, era só de raiva. Raiva desse mundo hipócrita que não a entendia e que censurava a sua rebeldia. Eu bem que gostaria de te dizer que Julia tinha um motivo para ser assim. Algo, mesmo que ruim, mas que pelo menos justificasse a sua raiva do mundo. Mas não. Julia não tinha motivo. Ela detestava o mundo simplesmente por ele existir, por ele ser como ele é.
Julia fazia sofrer. Às vezes bem que ela gostaria de ter algum sentimento. Mas o desejo era um de seus únicos sentimentos. Desejo de liberdade, de fogo, de rebelião.
De saia curta, salto alto, longos cabelos negros que contrastavam sua pele clara e unhas vermelhas, ela sabia satisfazer os seus desejos e dispensar o amor, como se este fosse um veneno repugnante.
Ela acreditava que amor não era nada além de um fenômeno psicoquímico, como uma droga produzida pelo corpo humano, e que o dela, por alguma deficiência, era incapaz de produzir.
Aqueles olhos castanhos que se destacavam em meio à maquiagem escura, eram uma arma sensual daquela garota que gostava da noite e não tinha medo do escuro. Era do escuro que ela gostava. Do misterioso, do curioso, do bizarro. Do desconhecido, do incorreto, do Rock. Da fumaça, do fogo, do álcool, do louco, do ilegal.
Julia sabia se calar e com o seu silêncio fazia enlouquecer e convencer qualquer um de suas falsas verdades.
E quando abria a boca expressava um espírito questionador e personalidade forte. E ela abria a boca para fumar o seu cigarro como se daquela tragada obtesse todo o seu fogo, e, naquela fumaça libertasse toda a sua angústia. Fumaça densa como a sua alma.
Julia não sabia amar.
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